A história do Parque São Clemente de Nova Friburgo
De todos os lugares belos — e não são poucos — de nossa querida cidade serrana, um deles merece sempre um imenso destaque, pois possui uma fascinante história.
Desde o seu passado até os dias atuais, a antiga Chácara do Chalé, nome original desse amplo espaço, tem habitado a memória de gerações de friburguenses e visitantes.
Originalmente, a propriedade, com cerca de 22,5 hectares, pertenceu ao primeiro Barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, e, após sua morte, foi transmitida a seu filho Antônio Clemente Pinto Filho, o primeiro Conde de São Clemente.
A sede principal é rodeada por maravilhosos jardins planejados por August François Marie Glaziou, paisagista francês contratado pelo barão para criar um grandioso jardim romântico.
Esse espaço permaneceu com a família Clemente Pinto até 1913, quando foi vendido a Eduardo Guinle, importante membro de uma das famílias mais influentes do século XX.
Um novo momento para o parque
Nessa época, o local provavelmente já era conhecido como Parque São Clemente, e seu novo proprietário realizou grandes melhorias após anos de “abandono”, uma vez que os descendentes do conde já não vinham com frequência a Nova Friburgo.
Após a morte de Eduardo Guinle, coube a seu filho César Guinle iniciar a profunda transformação que, até hoje, deixa reflexos nesta que é uma das áreas mais valorizadas do município.
César Guinle tinha o plano de criar um importante condomínio, denominado “Cidade Jardim Parque São Clemente”, e pretendia utilizar a antiga residência de campo da família como elemento paisagístico central de seu ambicioso projeto.
Apesar da imponência e do vanguardismo, a empreitada não obteve muito êxito.
Parque São Clemente ou Nova Friburgo Country Clube?
É aqui que se encontra um dos grandes imbróglios da história deste belo lugar — e que, infelizmente, nos últimos anos, tem causado alguns problemas, inclusive na esfera judicial.
O principal “enrosco” está relacionado ao fato de que, até hoje, o NFCC (Nova Friburgo Country Clube) precisa permitir a visitação pública e gratuita de qualquer pessoa que deseje conhecer o local.
Ao longo dos anos, conforme pude verificar junto ao Ministério Público do Estado, essa situação gerou diversos problemas legais para o clube.
O NFCC é um espaço privado e foi adquirido pelos sócios de César Guinle. Há quem diga que ele teria “cedido” o local conforme este artigo no jornal A Voz da Serra.
O terreno onde se encontram o clube e o parque abrange uma área de mais de 27 mil metros quadrados e é reconhecido como de caráter público, conforme consta na documentação original do projeto de César Guinle.
É preciso entender que o clube sempre foi privado; já os jardins públicos, embora administrados pelo NFCC, com suas alamedas, ruas, aléias, passagens, praças e áreas livres existentes, possuem natureza comunitária.
A origem do caráter público deste espaço
Mas, afinal, por que existe tanta confusão em relação à permissão para que as pessoas entrem gratuitamente nos jardins do Parque São Clemente?
Para tentar compreender essa questão, talvez seja necessário voltarmos ao século XIX, aos primórdios da criação desta cidade entre as serras fluminenses.
Por Camila Dias Amaduro com minhas observações em negrito:
A compra da Fazenda do Morro Queimado, com seus respectivos autos de posse e escritura, do então proprietário Monsenhor Almeida, a Coroa incorporou a fazenda ao seu próprio patrimônio, reforçando o controle sobre essas terras ainda nos primórdios da formação da cidade.
É importante entender que a área do parque era parte da antiga fazenda.
Pelo alvará de 3 de janeiro de 1820 - ano da efetiva vinda dos colonos suíços passado o período imperial e a Constituição Republicana de 1891 a antiga Fazenda do Morro Queimado continuaria sendo bem governamental, ou bem público - exceto as áreas alienadas aos colonos no processo de distribuição de lotes coloniais.
A área do parque foi uma das que permaneceu como parte das terras do governo.
Uma porção destas terras foreiras (foro é um tipo de imposto) ao município de Nova Friburgo foi cedida a Antônio Clemente Pinto através de um regime de domínio útil e seus herdeiros passam esse regime para Eduardo Guinle por ocasião da venda deste propriedade em fevereiro de 1913.
É aqui onde começamos a entender o motivo da confusão, a cessão destas terras para o Barão de Nova Friburgo abriu o precedente para que no futuro as mesmas fossem vendidas para os Guinle.
César Guinle, filho herdeiro de Eduardo, quando prefeito de Nova Friburgo, consegue modificar a divisão territorial da Chácara e o direito de uso e direito de propriedade através da criação do conjunto “Cidade Jardim Parque São Clemente”.
"Tal projeto ofereceu dois aspectos distintos: o primeiro relativo à conservação da parte de interesse artístico e histórico e a harmonia desta com as demais partes loteadas - como exigido pelo decreto-lei-municipal n° 70, de 16 de fevereiro de 1944 - e o segundo, concernente à área loteada, aos moldes de loteamento e à venda dos terrenos para pagamento em prestações - subordinados aos preceitos do decreto-lei-federal n° 58, de 10 de dezembro de 1937 e do decreto-lei-federal n° 3079, de 15 de setembro de 1938." -
É bastante possível que Cesar Guinle, sabendo da natureza pública do terreno em sua posse, tenha deixado bem evidente que manteria a área do Parque como um “presente” para a população — algo que ele conseguiu antes de ser prefeito, na verdade, por meio do decreto de 1944, assinado por Dange Laginestra.
Algumas documentações sobre o tema
Em minhas pesquisas para este artigo, acabei por encontrar um acordo para visitação pública do século passado: a Resolução n° 790, de 10 de junho de 1966, que concedia isenção de impostos ao clube mediante a permissão de visitas ao público.
Esse documento está abaixo:
Até hoje trata-se de um debate acalorado, principalmente por parte de alguns membros da direção do NFCC, que inclusive já tentaram, no passado, limitar o acesso criando “obstáculos” — medida que foi posteriormente contestada judicialmente.
Mas, felizmente, em 2006, o Ministério Público firmou com o NFCC um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que visa exatamente assegurar o acesso de todos às áreas públicas do parque.
O documento está disponível abaixo e me foi enviado pelo MPRJ, por ordem da Exma. Sra. Promotora de Justiça titular da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva, Núcleo Nova Friburgo, Dra. Cláudia Canto Condack, em agosto de 2023.
É inegável a natureza pública deste espaço, e é fundamental o entendimento correto para que todos possam continuar usufruindo da beleza e da rica história do local, seguindo todas as regras de acesso.
Visite o Parque São Clemente em Nova Friburgo
Embora, ao chegar à entrada, você se depare com uma imensa placa indicando “Nova Friburgo Country Clube”, ao passar sob a magnífica alameda ladeada de bambus, você está, na verdade, entrando nos jardins do Parque São Clemente.
Existem horários específicos em que o público geral tem acesso aos jardins, os quais são corretamente informados no website do NFCC: das 8h às 17h, todos os dias da semana.
Somente os sócios e seus convidados têm acesso às áreas privativas do clube, e isso precisa sempre ser respeitado. Recentemente, o clube tem divulgado, de forma esporádica, a possibilidade de que qualquer pessoa se torne sócia.
Fontes:
COUNTRY CLUB - O CENTRAL PARK DE NOVA FRIBURGO
Por Janaina Botelho - Historiadora
Os jardins da Chácara do Challet - Uma análise da atuação de Glaziou em Nova Friburgo - Publicado no periódico digital 19&20
Por Camila Dias Amaduro - Historiadora